Crônica de um poeta
Acordei antes
do galo cantar. O dia está lindo e hoje promete. Estava ávido por um café e pão
francês, mas a dispensa estava vazia. Final do mês.. não tem jeito, vou
pendurar mais um fiado no bar.
Para descer a
ladeira e ir pro meu show, fui procurar a melhor beca do armário. Passei minha
blusa de linho branco, coloquei meu cordão da sorte e um sorriso no rosto.
A galera da
vizinhança é preguiçosa no final de semana. Lá pelas 10h que as Donas saem pra
varrer a rua e os homens pra lavar o fusca comprado na promoção. A descida foi
rápida, talvez porque estava usando meus sapatos do samba, e já pensando na
música que iria entoar primeiro. Nasci aqui mesmo e não pretendo sair, só vou
pro asfalto pra resolver os negócios e olhe lá. Meu sangue é do alto do morro
com "muito orgulho", amém!
"Olha só
quem já tá com a banca armada e o café que vou filar ... seu Zé. Bom e velho
compositor". Cheguei na tendinha como um grande astro esperado. Só tinha
eu e seu Zé. Mas era por pouco tempo.
A rotina do
sábado era essa: aquecimento pro ensaio do Tuiuti às 17.30h. Vésperas do
Carnaval, não dá pra bobear. Olhei por meu parceiro e ele entendeu o recado:
vamos começar a sambar. Já temos nosso repertório certo. Mas volta e meia eu
arrumo um desafio e componho na hora. Não dá pra brincar em serviço. E era isso
que ia acontecer ...
Lá vem o homem
de calça preta e blusa florida, achando que é o rei da comunidade. Está rindo
antes da hora e de mim! Que petulante. Sentou na mesa e puxou a rima sem ritmo.
Sem sentido, sem pé e cabeça, só com um sapato rasteiro e sem sola.
Anota aí:
" quem desce do morro não morre no asfalto, eu sou o poeta do samba e
alegria. Aprende comigo ou nasce sabendo (...) ". Nesse momento a roda já
tava maior que a saia da baiana e o pseudo - rei já nem tinha mais voz pra
desafiar. Fim de jogo, colega.
Pra quem saiu
de casa sem pão francês, eu almoçava uma feijoada esperta, free, pagamento pelo bar cheio de gente alegre e pedindo Bis. A
galera toda já tinha rumo certo depois: a quadra. Quem liderava a passeata era
eu, o "abre alas" da comunidade. Fiz questão de terminar com a couve
para depois partir.
Fui a pé mesmo
pra desgastar a farofa e seu Zé me acompanhou levando os instrumentos. A
segunda parte do sábado já ia ter início e eu pensava no jogo do Fla amanhã, no
Maraca.
Me falaram que
sou o poeta do samba, mas prefiro me autodenominar de poeta da vida.
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