Os andarilhos de Deus




   O cheiro de relva fresca inunda a paisagem que se apresenta. O orvalho da manhã umedece todo o meu corpo. O brilho dos raios de sol iluminam a minha alma e , ao longe, risos, palmas e dança. Eles chegaram.
            Não desejam apenas ler a buena dicha, nem vender seus belíssimos e ricos artefatos. Ledo engano do gadjo que pensa assim. Povo vibrante que pisa com força no chão de terra, sem medo do trabalho pesado, pois pesada é a consciência de quem não se põe a serviço do Cristo.
            O calor da fogueira espanta a frieza da raiva, da inveja e da insegurança. Ao seu redor, as formosas ciganas balançam suas saias multicoloridas e criam um arco - íris de graça inimaginável. Os cabelos negros tremulam no ar e somos envolvidos pela ventania e furor dos passos dançantes. Tudo estremece ao som das palmas que não cessam na clareira da mata. A natureza se funde ao encanto da sublime vibração emanada.
            Extasiado, pergunto a um dos membros do clã como é possível tanta festa, alegria e disposição quando vivemos enclausurados nesse mundo triste e sacrificante. O austero cigano ri de mim. Não um riso debochado, mas sim piedoso – fita diretamente os meus olhos e, com um sorriso, aponta para a incrível cena a nossa frente: “Gadjo, como não festejar? A vida é bela por si só. Repare na imensidão que nos cerca. As montanhas são as muralhas a nos proteger; a terra, o chão que nos apoia; às águas, a fonte de vida e o céu, o olhar do Pai … por que não celebrar? O mundo que falaste não conhecemos, pois só se permite conhecê-lo quem não entende o verdadeiro sentido da existência. Seja andarilho dos caminhos que se abrem. Não empaque em sua trilha apenas por encontrar a estrada desnivelada. Desça da carroça e construa uma ponte com trabalho, suor e lágrimas. Lágrimas que vão sedimentar a passagem de seus pés. Depois, vá e não olhe para trás”.
            Sábia mensagem que recebi. Agora, sorrio de volta e consigo apreciar a misericórdia divina. “Arriba meu povo!”, canto feliz. Os ciganos mais estimulados ao som das castanholas e pandeiros, dançam até o entardecer. Hora do descanso.
            Hoje foi o dia da chegada do clã à cidade. Amanhã, só Deus sabe e isso já é o suficiente. Levantarão as carroças? Sim, claro – eles dizem. Prontos para prosseguir qualquer destino, calcado na fé, na paz, na firmeza e no amor. Pois cigano é amor. Amor ao sol, à lua, a si mesmo e ao grande Criador do Universo.
            Sou gadjo, mas eles me ensinaram que ser cigano está além do sangue … está no coração.

Arriba!

Bruna Lupp

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