No caminho havia um engarrafamento ... havia um engarrafamento no caminho



    Bate às 17 horas no relógio do computador e me sinto impelida a deixar o escritório. Enfim, mais um dia cansativo e repleto de e-mails urgentes. Uns 80, só hoje. Com as olheiras à vista, sem um vestígio da maquiagem da manhã, meu rosto denuncia o entardecer. Saio apressada e fico aguardando o elevador. Passam 2, 5, 10 minutos e nada! Resolvo, então, descer de escada mesmo. Aproveito para fazer o exercício e aliviar a culpa da marmita gordurosa de hoje e de ter “matado” a academia. Chego no térreo sem ar e junto com os colegas que aguardaram o elevador, sequinhos e ainda cheirosos … estou mais saudável ...

    Ando depressa para pegar a libertação para casa. E, no caminho, começa o temporal. Sem os R$20,00 para comprar o guarda-chuva que o ambulante acabou de puxar de sua sacola mágica, acabo me conformando em receber o frescor das gotas d´água. Corro mais ainda e alcanço o ônibus lotado, finalmente, e ainda consigo arrumar o último assento livre, sem contar com os assentos preferenciais, claro! Uma vitória proletária! O dia não estava tão ruim como eu pensava …

    Aproveito o percurso para escutar umas músicas relaxantes e olhar as pessoas ao meu redor, apenas como distração em um dia chuvoso. Absorvida ao som de Daniel Powter “Bad Day”, nem percebo que a senhora ao meu lado não para de falar … comigo!

- Oi, senhora, desculpe. O que falou?

- Estamos há quase 30 minutos no mesmo lugar! Já não sei para onde me mexer e todos os meus salgadinhos acabaram – choraminga inconformada

- Realmente, muito tempo! Sabe se houve algum acidente? Quer uma barra de cereal?

Fiquei aguardando uma resposta, um conforto, um não sei o que, e nada! A senhorinha mal- encarada e faminta sacou um fone de ouvido e nem olhou para o lado. Vingança, só pode.

    Quebrando o vago silêncio do ambiente, um som estridente e perturbador soava no final do ônibus, partindo dos bancos obscuros de trás. Só faltava essa! Não identifiquei o delinquente, apenas a música ruim, daquela banda que tocou naquele festival, sabe? E isso já se passando 50 minutos . Aí comecei a cantarolar …

    Com meus instintos claustrofóbicos aguçados, não consegui ficar mais em paz. O cheiro de lama e guarda-chuva molhado me nauseava; a gordinha de óculos me exprimia no corredor da condução com seu estômago avantajado e já não sabia o que fazia parte do meu corpo ou do dela. Estava sufocada. Incrível como um punhado de chuva faz as pessoas se enclausurarem. Fecharam todas as janelas e saídas possíveis. Parecia uma regressão coletiva ao ventre materno, sem conforto nenhum. Pensando nisso, comecei a rir sozinha e me distrai. Mas meu momento freudiano acabou sendo interrompido pelo grito entusiasmado dos colegas de prisão, ou de condução, como preferir. Os carros começaram a andar. Esperávamos ansiosamente a nossa vez ... 3, 2, 1, andamos! Com a felicidade em meu espírito, senti até amor pela esmagadora ao meu lado e pela velhinha vingativa do outro. Indo para casa, finalmente. Aliviada depois dessa tensão, acabei tirando um cochilo.

- Oi, moça? - chama o trocador

- Sim, sim, chegamos? - pergunto inocentemente, mas assustada

- Sim

- Ufa, que alívio. Aonde estamos?

- Chegamos ao ponto final de Caxias - respondeu alegre, já que era a sua última viagem.

Tudo parou e nada fazia mais sentido. Não acreditei no que ouvia. Peguei o ônibus errado.

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